Videogame: The Last of Us


Desenvolvedora: Naughty Dog
Plataforma: PlayStation 3
Ano: 2013

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Há algum tempo vem se discutindo se videogames são produtos artísticos ou apenas um entretenimento, um jogo, que, devido suas limitações e convenções, não tem como alcançar uma real catarse estética e reflexão filosófica no jogador. Recentemente a MoMa (Museu de Arte Moderna) reativou o debate ao adquirir quatorze jogos eletrônicos para expor em sua galeria, admitindo-os assim como peças de arte. Os prós e contras são variados. Não pretendo entrar nessa questão aqui, mas entre os jogos citados como obras de Arte (diferente dos da MoMa) estão, muitas vezes, Ico, Shadow of the Colossus, BioSchock, Braid, Portal, Journey, entre outros. Acredito que, de agora em diante, muitos também irão citar The Last of Us, quando adentrarem nesse assunto que ainda será motivo de muitos debates.


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A história do game se passa no mundo pós-apocalíptico causado pelo fungo Cordyceps¹ que infectou grande parte da população e as transformou em espécies de zumbis infectantes. O protagonista é o texano Joel, um contrabandista e, o que é fortemente sugestivo em uma parte da história, assaltante a carros de estrada para conseguir mercadorias, que acaba sendo envolvido em uma missão, junto a sua parceira Tess, de levar a desconhecida Ellie, uma adolescente de 14 anos, para um ponto estratégico dos Fireflyes (Vaga-lumes), um grupo rebelde aos grupos militares que formaram zonas de segurança, surgidos após os desastres e que estão empenhados em descobrir a cura para as infecções. Desta forma eles viajam por algumas cidades dos Estados Unidos. É essa relação entre ambos que vai tomando conta do jogo e leva a história adiante. 

Ellie nasceu após os acontecimentos e desconhece o mundo anterior, a forma como a sociedade se relacionava e muitas outras questões estéticas (como na parte em que vê um cartaz de uma companha de roupas e estranha o fato de as pessoas "antigamente" terem como modelo de beleza a magreza), sendo que das conversas entre entre os dois é que surgem momentos reflexivos e interessantes. Apesar de ser um jogo que survival, ter muito ação, o que diferencia The Last of Us de outros jogos é é o desenvolvimento dos personagens e sua audácia de dar um passo diferente, um amadurecimento deste tipo de história.




A maioria dos jogos de videogames são escritas, para o bem ou mal dos gêneros, de uma forma adolescente, previsível e modorrenta. O que mais encontramos são roteiros sem grande criatividade, diálogos previsíveis, plots mal desenvolvidos, tudo isso tendo um vista histórias simples que privilegiem a experiência de tiroteio e grandiloquência das histórias mainstream dos consoles. Este não é o caso em The Last of Us. De fato, o que o jogo nos entrega é algo muito mais reflexivo, com cutscenes dramáticas impressionantes sustentadas na excelente expressão facial e dublagem dos personagens, o que nós faz ter uma comoção enorme na maioria das cenas. A introdução do jogo (seus quinze minutos inicias) já demostra que esse é um videogame diferente de quase todos já feitos e que, sem dúvidas, será imitado por outras desenvolvedoras nos próximos anos.

A jogabilidade, apesar de alguns problemas na inteligência artificial, é muito boa, como já se esperava de um jogo da Naughty Dog.  As missões são simples, chegar do ponto A ao ponto B através de um caminho já preestabelecido, porém, quanto é preciso confrontar, a variedade de possibilidades é interessante. O jogador pode tentar um tática mais direta através de armas de fogo (o que não é muito recomendado), tentar abater os inimigos furtivamente ou até passar sem ser percebido.  Também é possível entrar em outros lugares próximos a procura de novas armas, munição, e vários itens necessários para conseguir fazer kits médicos, coquetéis molotov e outros itens quase indispensáveis para conseguir sobreviver no game. Aliás, a procura por itens é um dos pontos mais fortes da jogabilidade, pois, diferentemente de outros games do estilo survival, em The Last of Us você realmente precisa contar cada bala atirada² e item encontrado, o que faz a imersão e o senso de perigo algo muito intenso. Muitas vezes é preciso fazer escolhas, pois, por exemplo, os mesmos itens para fazer um kit médico e recuperar sua vida são os mesmo itens para criar um coquetel molotov e, dessa forma, obriga o jogador a pensar muito bem em qual decisão tomar.

The Last of Us já está sendo eleito como o game equivalente ao premiado livro The Road (A Estrada) de Cormac McCarthy. É inegável que os produtores se inspiraram na obra para criarem a ambientação e a história que se desenvolve. Assim como no livro de McCarthy, que acompanha um pai e filho adolescente (cujo os nomes nunca são citados) através de um Estados Unidos pós-apocalipse, o jogo compartilha do mesmo senso de perda, mudança e devastação. Enquanto em The Road isso é feito através da prosa seca, e sempre muito bela, do autor, no jogo essa sensação é transmitida pelas lindas paisagens das ruínas das cidades, aonde a natureza está reclamando sua função no mundo. É interessante a variação de lugares que são visitados e, em cada um, o designe dos objetos, as texturas, a cenografia, tudo parece contar pequenas histórias das pessoas que moravam ali e de como tudo foi dominado pela ação do tempo. Ponto aqui para a excelente parte gráfica criada pela Naughty Dog, que sempre se destacou pelos vislumbrantes cenários em suas criação, algo que sempre vem melhorando a cada nova geração de games.

Pittsburgh, uma das cidades visitadas no jogo, anos após o quase abandono da civilização.


Outro ponto muito especial em The Last of Us é a trilha sonora composta pelo premiado Gustavo Santaolalla³, aqui estreando em videogames. Suas músicas, em grande parte um tanto quanto minimalistas, são muito bem utilizadas nas cenas do jogo. Confesso que ao saber que ele seria o compositor do jogo, tinha em mente que a Naughty Dog iria utilizar muito suas composições no decorrer da história, mas me surpreendi ao notar que não, que boa parte da experiência e emoção é feita pelo silêncio das cenas, ressaltando ainda mais as partes em que são utilizadas músicas. Toda a parte sonora em The Last of Us é extremamente bem pensada e realizada.


A Naughty Dog é uma das mais prestigiadas desenvolvedoras do videogames. A trilogia Uncharted (bem como Crash Bandicoot no PlayStation e Jak no PlayStation 2), entre erros e muitos acertos, marcaram à vida de muitos jogadores. Porém, apesar de divertirem muito, sempre faltava alguma coisa nas histórias, na resolução de alguns pontos. A cada nova geração a produtora foi deixando seus jogos mais maduros, mais violentos, menos inocentes e, mesmo assim, muito divertidos. Porém, ver Nathan Drake, protagonista da trilogia Uncharted, matar centenas de pessoas no caminho de suas explorações e, no final, poupar vilões ou outros inimigos, era algo meio dúbio, que não se encaixada no que vinha acontecendo na tela. Então, surpreendente, The Last of Us não é assim. É um jogo moralmente forte, dramático, reflexivo, mas sem muitas concessões ao bom mocismo e ao correto. Não vou dar spoiler aqui, mas digo que, o que começou com uma história um pouco clichê (apesar de muito emocionante), terminou de uma forma que eu não esperava, fugindo dos padrões desse gênero. Aqui fica o elogio ao Neil Druckmann, roteirista e diretor criativo, assim como ao Bruce Straley, diretor das cenas.

Sendo assim, The Last of Us já é um dos games mais marcantes de qualquer geração de consoles e um modelo a ser seguido para as próximas. É uma obra para ser apreciada em todo o seu potencial e recomendada a todos que queiram entrar no debate da qualidade dos videogames, bem como sua potencialidade. Resumindo: obra-prima.








Links e referências

1 - O fungo em questão existe realmente na natureza porém ataca apenas insetos (a BBC fez um documentário sobre o Cordecyps, que foi de onde os produtores do jogo tiraram a ideia após assisti-lo)

2 - ("you make every shot count" nas palavras de Joel)

3 - Já ganhou diversos prêmios, como melhor trilha sonora por Brokeback Mountain e responsável por outras filmes como Amores Perros e Babel

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