Recortes (01)



"(...) em pânico ele dá meia-volta, sai de novo na chuva, onde as luzes elétricas do Cassino, em pleno holocausto, brilham nas pedras vitrificadas do calçamento. Colarinho virado para cima, chapéu de Bloat enfiado até as orelhas, exclamando merda a torto e a direito, tiritando, as costas doídas da queda do alto da árvore, anda aos tropeções chuva adentro. Sente que está prestes a chorar. Como foique tudo e todos se voltaram contra ele tão depressa? Amigos antigos e novos, papéis e roupas que o ligavam ao que sempre foi, simplesmente desapareceram, puta que o pariu. Como é que ele pode encarar uma situação dessas sem perder a linha? Só muito depois, exausto, fungando, gelado, arrasado, dentro daquela prisão de lã militar encharcada, é que ele pensa em Katje.
    
   Volta ao cassino já perto da meia-noite, a hora dela, sabe as escadas deixando pegadas úmidas nos degraus, ruidoso, como uma máquina de lavar roupa - pára diante da porta de Katje, chuva pingando no tapete, com medo de bater. Será que ela também foi levada? Quem estará aguardando atrás da porta, e quem maquinaria Eles terão trazido? Porém ela o ouve, e abre a porta com um sorriso cheio de covinhas, repreendendo-o por estar tão molhado 'Tyrone, eu estava com saudades.'
   
    Ele dá de ombros, convulsivo, impotente, espirrando água nela e em si próprio. 'È o único lugar que eu tinha para vir.' Aos poucos o sorriso dela se desembolsa. Sem jeito, ele dá um passo para dentro, não sabe se é a porta ou janela alta, e entra no quarto profundo."


(O Arco-Irís da Gravidade. Thomas Pynchon. pg. 215-16. tradução de Paulo Henriques Britto)

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